Estou entre as paredes, como
em uma bolha transparente, que lhe permite ver o lado de fora, preso entre as
correntes.
A gente vai vendo a vida lá
fora, o mundo girando e crescendo de tempo em tempo. Pessoas chegando e indo
embora. Tem gente crescendo e plantando semente. Tem gente que até e lembra da
gente. Mas ninguém para, nem te põe na mala.
E a gente segue a vida
assim, observando, ou melhor, assistindo a vida alheia. Por várias vezes eu
mesma ouvi dizer, que a gente tem que fazer por merecer. Mas quem é que vai
reconhecer o valor que temos eu e você? Isso ninguém veio me esclarecer.
Assim como milhares de
outras pessoas nos estudamos, nos educamos, fizemos tudo que nos foi dito e uma
pouco além disso. Nos vestimos de acordo com a ocasião, aprendemos a ouvir
muitos “nãos”. Nós nos curvamos diante de ditadores estúpidos, nos
transformamos num muro de lamúrios, fomos mestres dos disfarces e e aprendemos
que a trapaça também faz parte. Mas no fim à que se deve toda essa arte? Pra
descobrir, anos mais tarde, que não basta só a vontade. E que seguir as regras
não é primordial. Seguir as regras não é nem mesmo necessário.
E lá e foram mais alguns
anos, se repetindo, se replicando. Você é uma cópia, uma parte de um todo
igual. Você tem um esqueleto, acha que é um inteiro, que tem pensamentos
inéditos e que seu roteiro é um diferencial. Mas o que te difere dos demais?
Você é solteiro ou casado? É meio cego ou estabanado? Tem um único cérebro ou vários anexados?
Como transcender a barreira
entre o comum e o diferencial? Eu tenho três mil e-mails não enviados. Cumprimentei
um porteiro. Dei meu lugar à um aleijado e ainda o chamei de deficiente. Porque
a gente tem que respeitar toda essa gente, que mesmo sem ter coração mora com a
gente aqui nesse mundão.
Eu não passei em vários
processos eletivos onde mal caráteres foram admitidos. Eu não consegui o
emprego dos meus sonhos. Mas no fim acabei tendo outro sonho. Eu mudei de
ideia, mudei meus planos. Só não mudei de corpo, que ainda é o mesmo meio
surrado, com quase nenhum acessório e um programa ultrapassado.
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