Esse mês eu finalizei a leitura
do livro/coletânea “Todos os Contos” dessa grande bruxa brasileira chamada
Clarice Linspector. Agora sim eu tenho certeza de que essa mulher era uma bruxa.
Mas vamos por partes, ok?
O penúltimo livro de contos da
Clarice ( Clarice, assim, bem intimo mesmo, porque somos amigas agora),
chama-se “Onde estivestes de noite” e é uma “viagem” ao que é atemporal e inexplicável.
Nesse livro a feiticeira Linspector toca em questões que são muito abstratas e
profundas como a própria existência. Os contos são muito sobre o tempo, como estamos
usando o tempo e de que ele está passando. Ela ressalta aqui também que todos
temos um animal dentro de nós – que na visão dela pode ser um cavalo, ou o
homem é que está no cavalo – e que cada um de nós tem sua própria luta. Todos
estamos em uma jornada que é individual e intransferível.
O último livro é intitulado “Via
crucis do corpo” e foi considerado à época um livro pornográfico. Muito longe
dos livros eróticos que lemos hoje, ainda é uma abordagem bem sutil. É uma
seleção de contos reflexivos, mas sem pudor. Aqui a autora deixa-se livre para
contar as histórias de mulheres que experimentara e usaram o corpo. Sem aquele
pudor que dizia que a mulher tinha que cobrir o corpo, esconder a pele, ser
casta e pura. As mulheres desses contos são prostitutas, bígamas, adúlteras,
mulheres apenas que experimentam o próprio corpo como algo que é só delas e de
mais ninguém. E por serem delas estes corpos, elas os compartilham com quem ou
o que bem entenderem. São contos divertidos e profundos ao mesmo tempo. Todos
muito sérios, mas sem o compromisso de ser levado a sério. Este é, pra mim, o
melhor de todos os livros dessa coletânea, embora sejam todos muito bons.
O livro termina com três contos
soltos, “Brasília”, “A bela e a fera ou A ferida grande demais” e “Um dia a
menos”. De todos os contos desse livro o único que eu não gostei foi “Brasília”,
não sei explicar, mas não gostei mesmo – não sei se do conto ou de Brasília.
Talvez eu nunca vá à Brasília de qualquer forma. As “ultimas histórias” são
dois contos, que como diz a nota bibliográfica, foram publicados postumamente e
estão inacabados. Foram editados para a publicação, mas contém algumas inconsistências
que a atora talvez pretendesse arrumar em uma revisão tardia. Mas nesses dois
contos o organizador da coletânea concluiu com os temas que Clarice abordou em
toda sua obra: o ovo, a mulher, a classe alta, o ser humano e a sua feitiçaria
única. Essa questão do ovo volta mais amadurecida, o ovo sendo algo que é o começo,
que é novo e que é eterno.
Todos os contos é uma obra de
literatura fantástica. Mas é aquele fantástico brasileiro que une religião,
alucinação e bruxaria. Em muitos dos contos é nítido que os personagens não
estão encarando a realidade, mas algo que é surreal, inventado ou não. Em todos
os contos a autora aborda a religião de alguma forma, seja apenas dizendo que o
personagem foi à missa ou falando propriamente de Deus, mesmo que nem sempre
com este nome. E tem uma coisa de bruxaria na autora que ela mesmo menciona em
um dos contos e como é chamada por muitos dos que conhecem sua literatura. É
sem dúvida uma autora de personalidade voz próprias. Foi protagonista de sua história
e a escreveu de próprio punho. O que mais posso dizer, sou fã.
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