LEITURAS DE MAIO



O mês de Maio foi marcado por leituras ruins. Não que os livros em si sejam ruins. Longe de mim querer julgar a obra de outro autor como boa ou ruim, não tenho conhecimento técnico necessário ara fazer tal julgamento nem ousadia necessária para tanto. Mas às vezes a gente pega um livro com certa expectativa e acaba se decepcionando. Foi o caso do livro de Umberto Eco, esse já aclamado escritor que recebe elogios de críticos literários e é exibido em estantes literárias é realmente uma conquista. Tatiana Feltrin mencionou em um de seus vídeos/resenhas que todos os vídeos desse autor são dificílimos de serem entendidos. É necessário estar atento aos detalhes e ter muito material de apoio para acompanhar as tramas escritas em cascata. Sim, eu disse as tramas. Em o Pêndulo de Foucault temos várias histórias sendo contadas. Passado distante, passado imediato e presente estão divididos pela fina linha da narrativa complexa em vários níveis. Não é uma leitura de entretenimento como a que eu estou acostumada a ler diariamente. É necessário estar com o Google aberto para pesquisar termos técnicos e estrangeiros constantemente, a maioria em latim o que torna a leitura um pouco mais complicada. Talvez eu não tenha gostado por causa das várias histórias que se confundem. A promessa da sinopse era de contar uma história sobre os templários, mas temos também a trama de um estudante que acaba indo parar no escritório de dois editores meio loucos e aficionados pelas palavras e seus significados. No primeiro capítulo temos um homem se escondendo em um museu e em seguida temos toda a filosofia dos editores e o estudante ainda virgem para as discussões filosóficas mais profundas. É difícil, é complexo, é denso e requer algum nível de conhecimento das questões abordadas. Comprei o livro em um sebo em outubro do ano passado e até agora não cheguei nem na metade. Vou abandonar ele por hora, quem sabe no futuro eu consiga compreender melhor a proposta do autor.

 


O segundo livro do mês foi Reprodução, do autor Bernardo Carvalho. Comprei este livro porque fiquei sabendo que era premiado e muito bem criticado. Esse livro ganhou o Prêmio jabuti em 2014. A sinopse apresenta um personagem preconceituosos preso em um voo de avião. Mas ao abrir o livro me deparei com um monólogo cansativo. Até entendi a proposta do autor que é de mostrar como a mente de um ser preconceituosos se baseia tão somente em seus pré-conceitos. Mas a forma que ele escolheu de mostrar isso é maçante. O livro é dividido em três partes, como em três atos, mas em momento algum se vê (ou lê) outros personagem que não seja pela perspectiva do protagonista. A pontuação, marcada apenas pelo pensamento frenético e tagarela do personagem torna difícil a leitura se você, como eu, lê aos poucos. Geralmente leio no meu horário de almoço ou entre uma atividade e outra. São trinta minutos às vezes para ler. E eu detesto ter que parar um capitulo pela metade. No caso desse livro é impossível porque não é dividido em capítulos, são três grandes seções de uma média de cinquenta páginas cada e os parágrafos também são enormes. Às vezes a pontuação é confusa. Também não é uma leitura de entretenimento. O assunto em si não é desenvolvido, a interação do protagonista com outros personagens é mínima – não li até o final, então não sei se isso muda mais tarde, mas no começo é uma leitura arrastada, oque me fez abandonar esse também.

Eu definitivamente não foi fã de monólogos. E também não fui muito feliz com uma história de um personagem só. Sozinho em deserto extremo, do autor Luiz Brás é um livro muito parecido com o filme Eu sou a lenda (que também tem um livro, mas eu ainda não li). Sabe aquela história apocalíptica sobre um mundo devastado onde só sobrou você. Um homem sozinho na cidade. O que ele faz? Quebra tudo, saqueia tudo, usa de tudo, come de tudo. Me parece uma daquelas histórias adolescentes em que o garotinho fica sozinho em casa sem supervisão dos pais (olha o Macaulay Culkin aí). Nenhum grande questão foi apresentada, nenhum problema para ser solucionado, nenhuma questão humanitária ou pessoal. A única dúvida que fica é: por que todo mundo sumiu? Mas não foi suficiente para eu continuar lendo o livro. Com tantas histórias pós-apocalípticas dando sopa por aí, porque eu me prenderia à esta em particular?

E aqui eu comecei a refletir sobre a importância das primeiras páginas em um livro. Sabe aquela conversa sobre escrever o primeiro capítulo perfeito? Então, é mesmo importante. Veja bem, são três exemplos de livros que não consegui digerir devido ao fato de as primeiras páginas não me instigarem a conhecer o fim da história. É quase como se eu encontrasse alguém na rua e ela começasse a me falar do tempo. Não dá vontade de continuar a conversa. Tempo é tempo, ou está bom, ensolarado, ou está ruim, nublado, chovendo. Mas se por alguma razão a pessoa me aborda com uma questão mais aprofundada, do próprio tempo que seja, como porque frio é melhor que calor, talvez eu queira continuar a conversa. Livros não são apenas papel, não são apenas letras dispostas umas atrás das outras. São diálogos. Temos que ver a história como algo vivo, uma conversa para um jantar, ou para a hora do café. Não como um simples registro de fatos.


E como eu precisava de algo bom para esse mês, segui com minha leitura de Todos os Contos da Clarice Linspector. A cada livro que leio entendo mais porque a chamavam de bruxa da literatura. A forma como ela envolve o leitor nas histórias é mesmo mágica. Este mês li o livro Laços de Família, que como o próprio nome diz, são relatos de relacionamentos no que era a família do século XX. Nesse livro ela sai da questão “mulher” e parte para uma abordagem mais complexa de “ser humano”. É interessante ver o progresso da autora onde as questões pessoais implícitas no texto se misturam às questões sociais e plurais da humanidade. Em seguida deste, temos uma seção chamada de Fundo de Gaveta com quatro contos. Esses quatro contos se aprofundaram num tema que eu venho percebendo na escrita de Clarice, a espiritualidade, e acho que por isso ela é tão “feiticeira” nas palavras. Clarice inclui a religião em seus textos de uma forma não é catecismo, mas um relato de como a religião era praticada à sua época, sem o compromisso de ser evangelizadora. É sutil e implícito em todos os seus contos, mas aqui nessa seção podemos ter uma evidencia da importância do tema nos textos da autora. E para finalizar o mês, temos o livro Felicidade Clandestina, um lembrete da Clarice para nós de que não podemos ter tudo na vida e que  a própria felicidade pode ser algo clandestino. Não sou capaz de escolher um só contos desses livros como meu favorito, mas posso dizer o conto “Pecadora queimada e os anjos harmoniosos” foi um que me surpreendeu e muito, tem uma atmosfera de tragédia grega e não sei porque me lembrou “O auto da barca do inferno”.

Tenho outras leituras em andamento, mas estas vão ficar para o próximo mês. Até mais.

CANAIS DE POESIA NO YOUTUBE

Estive procurando canais no Youtube sobre poesia, para me inspirar e me distrair, e acabei me deparando com uma busca muito difícil. São inúmeros os canais literários focados em resenhas e em comentários literários, alguns de profissionais, outros de amadores amantes da literatura. Mas todos os canais seguem o mesmo modelo de sobrevivência do Youtube que nós já conhecemos - vamos fazer o que todo mundo está fazendo, falar sobre o que todos mundo está falando - não que eu acho isto errado, é uma forma de se manter nas estatísticas que importam alguma coisa para uma pequena massa. Entretanto, sendo eu uma pessoa do contra, estava procurando algo que fosse mais poético do que comunicativo. Não que a poesia não tenha ago a comunicar, mas que ela tem algo na forma de comunicar que é mais divertido (do ponto de vista da poetiza que sou). Encontrei, pois, alguns poucos canais que trazem em sua mensagem a forma dramatizada e poética que estava buscando.


Esse canal é dedicado a declamação da poesia, seja ela em prosa ou em verso, por pessoas que as interpretam como suas. Dando, assim, uma veracidade à mensagem que emociona. Abaixo segue um dos vídeos do canal, onde Sarah Hannah faz a leitura de seu próprio texto "If people desaprove" (se as pessoas desaprovam, em tradução literal), um texto que propõe um jogo individual de auto-aceitação. Infelizmente o canal é em inglês e não tem legendas, mas se você tem algum conhecimento da lingua estrangeira, vale a pena dar uma chance.




Neste canal, Hugo Moura (não fiz nenhuma pesquisa aprofundada sobre ele, mas acredito se tratar de um ator) declama poesias consagradas de autores nacionais. no vídeo abaixo está "O poeta é belo" de Mario Quintana.



Esse é uma canal que conheci faz um tempo já, nele personalidades, atores e autores conhecidos em território nacional, declamam a poesia de forma dramatizada. no mesmo modelo do canal Poetry Channel Website, mas dando ênfase a poesia nacional que não está apenas nos livros, mas na música, na fala e principalmente na interpretação do que é poesia. Abaixo está o vídeo de "Procura-se um amor" de Adriana Falcão.



Ok, outro canal em inglês... Mas essa escritora, que eu acredito ser britânica pelo sotaque, escreve poesia abstrata acompanhada de vídeos surreais, que são dois elementos que eu adoro em qualquer tipo de arte. O vídeo abaixo se chama "Unfortunally she was beautiful" (infelizmente ela era bonita, em tradução literal).


Bom esses são só alguns dos muitos canais que existem por aí. Se você conhece algum para me indicar deixe nos comentários. E se você ainda não conhece o meu canal clica no vídeo abaixo, "O elefante amarelo" faz parte do Projeto poético "Texto sem Letra". Se você gostar se inscreva lá porque essa semana tem uma série nova saindo do forno.


REDES SOCIAIS PARA ESCRITORES

No começo do ano - em fevereiro, se não me engano - eu participei de um webnário do Carreira literária sobre como utilizar as redes sociais na criação de público literário. Muito do que se disse no evento eu já sabia dese a época em que trabalhava com marketing e pra mim não era novidade alguma. Mas acredito que para muitos dos escritores iniciantes seja algo importante a se saber. Por isso vou listar aqui algumas das coisas que ouvi no webnário e minhas observações sobre o assunto.


ONDE SE PROJETAR?


No evento a editora Flávia deixou bem claro quais as redes sociais que estão em alta para se fazer a projeção de marcas - porque escritores são como marcas, por isso se encaixa perfeitamente nesse mercado - e eu me assustei ao constatar que por mais que já tenham se passado alguns anos desde que trabalhei em uma pesquisa sobre as redes sociais, as redes em alta continuam as mesmas. Facebook e Youtube são de longe as redes mais populares, segundo a editora participam do mercado em 64,82% e 26,04%, respectivamente. Logo atrás vem as redes Twitter, Google+ e Instagram, com uma representatividade de 1,36% as três juntas. No Webnário foram citadas outras redes específicas para escritores, são elas: Wattpad, Widbook, Scribe, Clube dos Autores, KDP Amazon e Papirus. Destas eu conheço somente o Wattpad, que está aí famosinho no meio literário depois que muitos autores foram descobertos através da rede; e o Widbook, que é igual ao Wattpad em funcionalidade, porém possui uma estética mais trabalhada e possibilita a monetização diretamente no site. Eu prefiro o Widbook, porque gosto de um visual mais clean e organizado - é mais bonito mesmo.

COMO ATRAIR OS LEITORES?


No webnário a Flávia passou uma receitinha para conquistar seus leitores em cinco passos. vou comentá-los muito rapidamente.

1 - Escolha das redes: é necessário escolher as redes que mais se adequam ao conteúdo que você produz. No meu caso, eu escolhi o Facebook, como principal forma de divulgação, nele eu consigo atingir o maior número de pessoas que eu sei estão interessadas no tipo de conteúdo que eu produzo aqui no blog e nos meus livros também. Recentemente descobri que as pessoas preferem ouvir poesia do que ler, então passei a usar o Youtube para divulgar minhas poesias e devido ao projeto audiovisual que acabei criando para os vídeos no meu canal utilizo o Instagram para postar o resultado final dos vídeos ( pra quem ainda não viu é só clicar aqui). Então escolha aquela rede que você acha seja mais eficiente para o seu público. Eu cheguei a testar o Wattpad e o Widbook, mas para mim não funcionou muito bem. Acho importante conhecer e experimentar todas as redes antes de escolher. Antes de tomar essa decisão eu tinha conta em TODAS as redes sociais que eu conhecia, fi eliminando até chegar à essas três que, agora, consigo alimentar com mais frequência.

2 - Nicho: isso é realmente algo muito difícil de escolher se você, assim como eu, é multitarefas. Demorei muito, muito mesmo para conseguir me decidir de que lado eu ia caminhar. Foi um longo tempo parada naquela bifurcação olhando para as várias opções que eu tinha até me decidir quais segmentos escolher. Ainda estou entre a poesia concreta e a literatura fantástica, mas com o tempo vou refinando meu estilo até chegar onde quero. Sou poeta, e não nego, mas à fantasia eu me entrego.

3 - Produzir conteúdo de qualidade e com regularidade: e é aqui que mora o grande segredo das redes sociais. A regularidade. Se você é um profissional criador de conteúdo, você precisar estar ativo e mostrando ago novo sempre. Eu me comprometi à publicar um post por semana aqui no blog, porque é o que eu consigo entre trabalhar no meu "full time job" e escrever os meus livros. No canal tenho séries de vídeos que vão ao ar uma vez por semana também. Dessa forma eu tenho conteúdo novo duas vezes na semana. nos outros dias restam a interação entre os grupos do face e as postagens do Instagram. No webnário a Flávia ainda deu a dica de compartilhar conteúdo de que gostamos ou que estão relacionados ao conteúdo que produzimos, achei ótima.

4 - Busque engajamento: este é o grande problema das redes sociais. O manda não são os números de seguidores ou de visualizações. Mas o quanto o público interage com o conteúdo. Temos que tomar o cuidado de ater-nos à temática que escolhemos tratar. No meu caso, poesia e fantasia são os temas tratados sempre.

5 - Ferramentas de cada plataforma: dependendo da rede que você escolheu para se promover como escritor, você encontrará algumas ferramentas para facilitar a criação de conteúdo. No Facebook temos as páginas onde é possível promover conteúdo pagando uma pequena quantia em dinheiro, fazer promoções, criar eventos, enquetes, grupos de discussão, entre outras coisas. No Youtube temos a biblioteca de músicas com licença CC (Creative Commons) ou livre para ambientar seus vídeos, temos as ferramentas de edição ode vídeos, para que você não precise comprar um editor, cards, anotações, playlists, entre outras. Em todas as redes é possível utilizar as hashtags que ajudam a rastrear o conteúdo que você produz, é importante colocar as hashtags em todas as postagens, assim pessoas que não lhe conhecem podem encontrar seu conteúdo e passara conhecer o seu trabalho.

Bom esse webnário não está mais disponível, mas com essas dicas já dá pra começar a organizar suas redes e ter uma consciência do que funciona ou não para você. Lembrando que nem sempre as ferramentas funcionam da mesma forma para pessoas diferentes. Se você quiser investir em cursos de escrita criativa é só ir até o site do Carreira Literária que á tem várias opções. Eu ainda não fiz nenhum deles, porque é necessário certo investimento que está fora do meu orçamento, mas profissionalizar-se é o caminho para o sucesso. Se alguém aí já fez deixa a opinião aí do que achou. E se tiver outras dicas compartilha com a gente.



MONSTRO DA NOITE NUA

Photo by GniMonster

Era noite escura e sem estrelas e sem uma. Uma noite nua. Despida de toda beleza estava ela assim oca. Uma noite vazia de barulhos e sem vida. Eu descia pela estrada de terra em busca de alguma luz que me guiasse pela ladeira abaixo, me deixando levar pela intuição dos pés que já conheciam o caminho a ser percorrido. Apesar de a noite ser estranha a vila era sempre a mesma. Vazia de luzes à noite, as pessoas silenciosas respeitando a hora da noite. Era a terceira vez que fazia esse percurso à noite. Da primeira vez fiquei até tarde no escritório corrigindo o balanço contábil do Jorge Leiteiro que estava todo errado. Em cima da hora o velho pediu para “da uma olhadinha”. Essa olhadinha nunca é rápida. Tudo errado e lá vou eu consertar. Na segunda cheguei no ponto de ônibus com um minuto de atrasado e a condução já estava lotada e engatando a primeira. O motorista bem que podia ter esperado. Agora, sigo caminhando sozinha na noite porque me recusei a pegar carona com o Zé do Litrão. Ele faz entregas para o Jorge Leiteiro nas casas da vila e leva as encomendas para a cidade. Um homem cheio de tranças nos cabelos cumpridos e volumosos que tem um sorriso grande e rasgado.
Me arrependi de ter calçado as sapatilhas que agora deixavam sua marca em meu calcanhar, me fazendo andar cada vez mais devagar. Minha casa, no canto diagonal à direita da vila, fica em um prédio tombado e amarelado. No terceiro andar com vista para as montanhas. É um ugar aconchegante, apertado e decorado do meu jeito. Um lugar tranquilo. Uma das vantagens de morar dentro do mato. As pessoas não ficam empoleiradas umas nas casas das outras porque já mora todo mundo meio que junto de qualquer forma. Tem tudo ao alcance. Hortas, padaria, fazendas de grãos e leguminosas. Tem sempre uma senhora costureira e uma curandeira. A desvantagem? É no meio do mato. Longe da civilização estamos a mercê das criaturas da mata. Dos monstros da noite como o que me encara exatamente agora. Um ser da altura de um homem, com pele tão branca como a luz, refletindo a luz que não há na noite nua. O monstro tem pelos cumpridos por todo o corpo, braços alongados, olhos vermelhos como sangue, dentes saltados para fora da boca entreaberta. Respira suavemente com os olhos demoníacos fixados em mim.
Estou congelada pelo frio da noite e pelo medo que nem sabia que tinha d própria noite. Não há sinal de vida em lugar nenhum e o monstro não demonstra que vai atacar tão cedo. Ficamos assim, encarando-nos. Eu apreensiva com o monstro e ele a espera que eu me mova para algum lugar. O monstro está entre meu destino e eu, bloqueando a ladeira que eu preciso descer para chegar à vila. Me lembrei de todas as histórias que ouvi do monstro da noite nua. Um ser tão vazio de vida que persegue os viajantes noturnos para torna-los como ele. Um ser capaz de destruir um ser humano com uma olhada brutal e ensanguentada. Um ser que congela os músculos de quem está acostumado a andar sem parar pela vida afora. Um ser que não age, apenas reage e apavora. Este ser me encarou na noite nua e eu fiquei sem saber o qeu fazer.
Como todas as criaturas amedrontadas na terra eu me pus a correr. Corri pelo mato na direção contrária a que deveria seguir. Indo de encontro ao que nem sabia o que. Pulei por cima do pântano cheio de sapos silenciosos imóveis sob o olhar do monstro. Corri o mais rápido que pude. Avancei pela floresta adentro, através de árvores que o homem nunca tocou e fui além. Entrei na vila dos monstros, como a presa tola que sou. Vi outros monstros, não tão assustadores quanto o primeiro, mas com ele ainda no meu encalço. Correndo tão rápido quanto eu. Me movi por entre as pedras de uma caverna e fiquei ali por um tempo que não sei definir quanto. Não me lembro para onde foi o monstro. Talvez ele me tivesse exatamente onde queria e por isso deixou de me perseguir. Mas não arrisquei sair até que vi a luz vinda de fora da caverna. Vozes humanas me despertaram de um sono que nem havia visto chegar.
Um dos homens que me acordou parecia um professor, com jaleco e óculos de armação grossa. Tinha um olhar curioso. O outro era velho e trazia uma picareta ao lado do corpo. Olhei em volta do meu próprio corpo e vi que estava quase que coberta de terra, minhas roupas encardidas num tom avermelhado de barro. Eles falavam comigo mas não pude entender. Falavam outra língua. Um idioma estranho. Me ajudaram a me levantar e tentei contar o apuro da noite anterior, mas não me entenderam. Deviam ser estrangeiros. Estava muito cansada e me ajudaram a caminhar para fora da caverna. Do lado de fora um pequeno grupo de curiosos observava o meu resgate. Olhei em suas faces e vi figuras estranhas, humanos desprovidos de sentimentos, com feições lisas. Olhos estalados e bocas em um formato de risco. Não dava para saber se tristes ou alegres. Cabelos lisos e negros escorridos atrás das orelhas amarelas como a pele. Os homens que me puxavam pelo braço pareciam preocupados. Olhei mais uma vez para aquelas pessoas e para aquele lugar perdido no meio do mato e foi quando vi. Lá estava o monstro outra vez. Escondido entre as folhagens num canto escuro. Gritei para os homens olharem. Ele estava lá. Eles não viram. Eles não viram o monstro escondido nas folhagens. Eles não viram o monstro olhar para mim com os olhos vermelhos. Não o viram sorrir com dentes pontiagudos e brancos como seu pelo. Eles não viram...

SOBRE AS PORÇÕES



É engraçado como tudo na vida tem que ser regrado. Cada atitude. Cada sentimento. Cada sensação. Devemos nos alimentar em porções, comer um pouco de cada vez e de três em três horas. Nossas atitudes devem ser dosadas, oferecidas aos poucos e sempre com consentimento. O sentimos deve ser demonstrado, mas não demais, só um pouco.
É incrível como tudo tem que ser medido, pra não extrapolar o entendimento alheio, não esbarrar na ignorância do outro ou em sua falta de empatia. Até parece que na vida somos munidos de porções de ódio, de empatia, de asco, de bondade, de solidariedade, de tristeza, de incompreensão e tantas outras armas para usarmos de forma calculada e planejada até a hora da morte iminente. Não fale muito alto, não invada meu espaço, não interrompa quando eu falo, não seja acuado, tenha modos, seja educado. Toda uma sociedade programada para reagir e coagir com medida, comedida, contra medidas que são de regra. É regra regrar.
E não é só na mente que temos que nos controlar. É no corpo também. O corpo controlado pela mete que é regrada. Não use muito a mente. O cérebro é um musculo e também precisa descansar. Deixa estar. Deixa de pensar. Nao pense em quando deve pensar, ou pesar, ou se preocupar, ou se sustentar, ou aguentar. Não pense em quanto não irá pensar. Apenas deixe de pensar e continue a regrar. Porque no fim das contas não é o quanto de massa física você vai carregar para o fim, o que importa mesmo é a quantidade de porções que você regrou, consumiu e controlou.
Controle o seu dinheiro, controle o seu emprego, seja amigo do carteiro que é quem carrega porções para entregar. E nós também temos as nossas porções para entregar. Mas vá se entregando aos poucos. Respeitando a regra do outro. Porque essa regra toda existe para a gente se respeitar.