LEITURAS DE ABRIL



Esse mês dei uma desacelerada nas leituras, por conta da correria do dia-a-dia e do cansaço mesmo. Fiquei um tempinho fazendo a última revisão no meu livro, quem me acompanha nas redes sociais sabe que já escrevi dois livros este ano (escrevi um e terminou outro). Não são livros que publicarei tão cedo, mas são projetos que estavam na gaveta e que estou dando aqueles ajustes e finalizando para dar espaço para coisas novas. Mas, consegui finalizar dois livros que estavam na minha meta de leitura lá no Skoob e caminhei mais um pouquinho na leitura dos contos da Clarice.

O primeiro livro que li foi “Eles eram muitos cavalos” de Luiz Rufatto. O livro cujo título referencia a autora Cecília Meireles, foi relançado em 2013 pela Editora Companhia das Letras e vencedor dos prêmios APCA e Machado de Assis.  Na sinopse o livro é apresentado como um romance de 136 páginas, composto por 69 episódios da vida cotidiana em São Paulo. Mas na minha opinião, não se trata de um romance e, talvez, pelo fato de tê-lo comprado na esperança de ler um romance fiquei muito frustrada com a narrativa. Não é o tipo de leitura que eu leio para me entreter. Confesso que só terminei de lê-lo para entender a razão pela qual todos os críticos dos quis tomei nota disseram ser um dos melhores livros de ficção da época. Note que estes críticos não se referem ao livro como um romance e sim como um livro de ficção.

Vamos ao livro... A narrativa é alternada entre diálogos, episódios descritos em primeira e terceira pessoa e aparentemente desconexos entre si. Nos cinco primeiros capítulos eu fiquei procurando a conexão entre os personagens e ao fim do livro eu descobri somente uma: eles moram na cidade de São Paulo (ou estão passando por lá). Não existe um enredo ou um desenvolvimento dos personagens, são apenas episódios e se o leitor quiser esmiuçar a vida daquelas personagens terá de fazê-lo apenas em sua imaginação. A leitura é truncada por causa do ritmo que não existe. Hora o texto corre liso , em outras é simplesmente um caminho de pedras com obstáculos. Acho que só quem já morou ou passou algum tempo longo em São Paulo irá entender o ritmo da narrativa. A sensação que eu tive era de estar presa no transito da capital paulista que, hora é extremamente lento, hora é tão rápido que você não consegue ver a paisagem. É um livro sobre São Paulo, onde a cidade é a personagem principal, muitos temas são jogados ao ar e nenhum deles é de fato discutido ou aprofundado. Eu não gostei, embora eu tenha entendido a proposta do autor. Levei mais de duas semanas para acabar porque assumi o compromisso de lê-lo até o final, mas não foi uma leitura divertida.

 


O segundo livro do mês foi “Deus foi almoçar” do autor Ferréz. Lançado em 2012 pela editora Planeta, o livro tem 239 páginas de literatura marginal. Não me lembro como cheguei a este livro, ou à este autor, mas gostei do romance. O livro rata da história de Calixto, um homem de meia idade, separado, com uma filha pequena e procurando o sentido da vida. É uma literatura bem sensível, em se tratando de literatura marginal. Esperava encontrar uma narrativa mais voltada para a realidade da periferia, para confrontos visuais e questionamentos polêmicos. Mas, me vez disso, encontrei uma narrativa subjetiva.

O livro se divide em duas partes. Na primeira o autor nos faz conhecer Calixto e sua condição de homem, separado e sem sentido algum na vida. Essa parte eu achei bem maçante e quase desistir desseguir adiante (já havia me obrigado a ler o livro anterior e não estava a fim de passar por mais uma leitura massacrante e pouco prazerosa). Quando cheguei na segunda parte, comecei a entender do que se tratava toda aquela “enrolação”. O autor faz, na primeira parte do livro, uma ambientação e um problematização do personagem principal. A partir da segunda parte o livro ficou super interessante – pra mim – e segui devorando ele em três dias. Ele faz alguns questionamentos sobre estilo de vida e da realidade de um homem só no mundo. Também achei legal a forma como ele retrata um personagem introvertido, saindo daquele clichê de mostrar um cara que fica à margem, só olhando as pessoas de longe como um bisbilhoteiro inconveniente e esquisitão. Embora todos os introvertidos sejam pessoas esquisitas – eu inclusa – a maioria não está interessada na vida alheia – eu inclusa de novo. Em contrapartida, ele mostra de uma forma até que bem explicita o grande problema que pode ser o isolamento excessivo. Uma coisa que me incomodou muito nesse livro foram as cenas de sexo explicito em excesso, dando a impressão de que o sexo é a única coisa que motiva um homem de meia idade. A riqueza de detalhes é absurda também, mas não são imagens bonitas. De um ponto de vista feminino, acho que mostrar o tal do Calixto fazendo sexo com várias mulheres de todos os tipos não foi algo que enriqueceu a historia, eu achei desnecessário. Apesar disso é um livro interessante, se você não se importar em ler esses episódios na tão excitantes.

 


E por fim, a Clarice. Esse mês dei continuidade ao livro Todos os Contos, na seção (ou livro, ainda não sei como nomear essa divisão) “Laços de Família” a autora confirma que era uma mulher burguesa. Clarice continua retratando mulheres, mas dessa vez sã mulheres mais maduras e cercadas pelo luxo da classe alta. Em todos os contos dessa seção são retratadas donas de casa refinadas, ricas e com criados a seus serviços. Isso mesmo, criados. Eu me incomodei um pouco com isso, mas se formos situar os textos à época em que foram escritos faz muito sentido. Em uma época onde ricos não faziam mais que dar ordens e distanciarem-se das classes menos favorecidas. Foi até engraçado, porque havia acabado de ler o livro do Ferréz, que é sobre a classe menos favorecida e entrei no universo de uma mulher rica.

Mas uma coisa que me chamou a atenção nesses contos, foi a forma fantástica de descrever lugares e pessoas. Há muita fantasia nos textos de Clarice. Não é a toa que ela era considerada uma feiticeira das palavras. Há algo de literatura fantástica no que ela escreve. De uma forma bem sutil, mas está lá. Nas entrelinhas da high society onde mulheres tentam ser mais do que somente a esposa de alguém, mais que somente uma mulher. Ainda tenho muitos contos pra ler, mas a cada dia aprendo mais sobre a sutileza e a profundidade das palavras com a Clarice.

PINTEREST - O PARAÍSO DOS ESCRITORES



Quando comecei a usar o Pinterest eu não tinha muita ideia do que fazer com ele. Mas acabei descobrindo uma utilidade que veio a calhar na busca por inspiração e na organização de ideias. A rede social é um paraíso para quem trabalha com o chamado "Worldbuilding" (criação de mundo traduzindo literalmente). Tenho uma pasta somente para salvar dicas de escrita e do universo de um escritor, esse ser antissocial e solitário que vive em uma escrivaninha - ou biblioteca. Um dos pins que salvei há algum tempo foi um guia para escritores usarem a rede social, são coisas que já vejo alguns autores fazendo por aí e quando comecei a usar dessa maneira realmente me ajudou.

- Dicas e conselhos: esse é um uso básico que vejo em todas as redes (Facebook, Tumblr e outras das quais não me lembro agora). A maioria das dicas postadas no Pinterest são voltadas à escrita - a maioria em inglês - e storytelling. Eu adoro as dicas que contém técnicas de organização de conteúdo e sempre texto todas. Como aqui no Brasil o acesso à cursos de escrita criativa é muito imitado na ponto Rio-São Paulo e ainda são muito caros, mesmo que feitos online; poder conhecer essas técnicas, mesmo que de uma forma superficial, é maravilhoso. Há muitos cards de conselhos e motivacionais para nos manter nessa luta pelo reconhecimento.

- Pastas de personagens: essa é uma dica que eu ainda não sigo ao pé da letra, trata-se de agrupar em uma pasta todas as características do seu personagem e tudo o que ele gosta, para olhar sempre que estiver com bloqueio, ou precisar se lembrar como ele se parece. Pra mim não funciona muito, porque meus personagens já surgem em minha mente claros e se transformam à medida que escrevo. Isso faz parte do meu processo criativo, se estiver tudo muito pronto quando começar eu acabo com bloqueio e o livro não sai. Mas muitos escritores que conheço trabalham dessa forma e funciona muito bem para eles, então vale a tentativa.

- Pastas de clima: trata-se de criar pastas com humores ou sentimentos específicos para cada vez que precisar mudar o humor da cena ou quando for passar para o próximo capitulo acessar a pasta e entrar naquele clima alegre ou depressivo (dependendo do que vai escrever).

- Writing prompts: são cartões com propostas para escrever cenas e histórias inteiras. São ótimos exercícios para melhorar a escrita. Eu sugiro procurar um cartão com uma proposta completamente fora da sua zona de conforto e transformá-la em algo genuinamente seu, é bem difícil, mas você pode se surpreender com o que irá produzir. Essa dica vale mais para quem gosta de desafios, porque eu já vi cada prompt bizarro por lá.

- Worldbuiling: enfim, chegamos ao queridinho. Esse não vale somente para os escritores de fantasia. A criação do universo envolve tudo que existe em um universo, pode ser um país, uma cidade ou uma vila. Nessa pasta você vai incluir aspectos relacionados à cultura, religião, arquitetura, flora, fauna, tecnologia, ciência e tudo o que for importante para lhe colocar dentro da historia que quer contar. Esse é o exercício que eu mais gosto.

Para acessar as minhas pastas no Pinterest é só clicar aqui.

A fonte que usei para este post está aqui ( em inglês).



CHÁ DO EMPRESÁRIO




Ela estava lá sentada de frente para a janela, com o rosto iluminado pela luz diurna de verão. O movimento do lado de fora era mínimo, ela pensara nisso antes, o dia era calmo e tranquilo. Poderiam conversar discretamente sem serem surpreendidos por algum curioso que os pudesse interromper. Ele sentava-se de frente para ela, era impossível ver-lhe o rosto com clareza por causa da luz vinda do exterior. Mas ela se lembrava muito bem daquela fisionomia. Queixo largo, beiços fartos, a pele negra e os dentes brancos. O rosto redondo delineado pelas sombras. Ela admirara aquele rosto por anos e anos sem se cansar. Agora ele estava ali, em sua frente, sorrindo um riso que encheu o ar.
Foi preciso muito planejamento para conseguir tê-lo ali agora, com as mãos sobre a mesa, ao lado do bule de chá preto temperado especialmente para ele. Ela estava realizando seu sonho de tê-lo. Tê-lo apenas e só para ela pela primeira vez na vida. Foram anos de perseguição, de simpatias e oração. Quantas vezes desperdiçou sua feitiçaria com aquele homem pensando que à ele cabia satisfazer suas fantasias.
Mas ele estava feliz. Feliz sem ela. Tinha esposa e duas filhas lindas. Vivia agora na capital, seu sonho desde menino, ela se lembra. Sempre que iam brincar juntos no terreiro da avó ele dizia: "eu vou morar na capitão. Vou ter minha empresa e vou ganhar muito dinheiro". De fato, ele alcançou seus objetivos. Casou-se com uma alemã, branquíssima, de olhos azuis e com família bem de vida. Conseguiu o apoio do sogro e depois vieram as duas marronzinhas - que era como eles chamavam as meninas.
E ela havia planejado tudo desde muito antes de ele vir à cidade. Preparou a poção, dosou as medidas, deu ao cachorro primeiro, depois ao mendigo que morava em sua calçada. Tudo pronto para quando ele voltasse para a cidade e pudesse ser só dela. Mas ele voltou mais bonito, bem vestido, sorrindo e feliz. Ele voltou feliz. E falava sem parar de sua felicidade. Ela já não podia fazer aquilo com o homem feliz. Feliz como estava era uma afronta. Poderia não dar certo. Poderia dar tão certo que daria errado. Não era como ela queria. Não era o que ela queria. Não queria mais fazer aquilo. O chá já na xícara. A mão dele no pires. O sorriso dele preenchendo o ar. Ele sorria e respirava devagar. Respirava ao falar. Ele respirava. Feliz. Sorria. Feliz.
Ele provou o chá. Quente. Queimou. Não deu pra engolir. Ela se adiantou. Levou a mão para ajudar. Ele recusou. Vai esperar esfriar. Enquanto isso, conversa. E sorri. Um sorriso que enche o ar. Ela engoliu o ar. Engoliu o sorriso. Engoliu o arrependimento amargo da poção que ele não engoliu. Por que ele não bebe logo? Por que não se rende e engole tudo de uma vez? Ela não quer admitir. Dizer que errou, que se enganou, que preferia que ele fosse infeliz como ela era. Mas ele sorriu um riso que a fez amolecer. Ele sorria e falava das coisas que via na capital. Falava das maravilhas que fazia como empresário. O sonho realizado. Outra vez a mão na xícara, a mão na mesa, a mão no pires. Ainda está quente. Conversa mais. O telefone toca. Ela pensa em tirar o chá. Dizer que esfriou demais. Dizer que não está bom. Que ele não deve tomar. Que ela se arrependeu de ter-lhe feito o convite. Que ele não deveria ter voltado. Que estava tudo acabado.
Pede desculpas. Ligação importante. Ele é empresário. Ela não é nada. Ela é uma bruxa amarga. Ela é uma mulher desalmada. Uma infeliz. E ele ainda sorri. Muito feliz. As marronzinhas mandaram uma foto. São lindas. Estão com a alemã. Estão na mansão da família na capital. Para onde ele fora sozinho, deixando tudo para trás. Ele nunca pensou em voltar. Ele nunca pensou em ligar. Estava ocupado. Vida de empresário. Poderia ter ligado. Poderia ter visitado. Poderia ter se lembrado das várias noites em claro, debaixo da mangueira, chupando mangas. Chupando. Chupando. Chupando mangas. Mas ele não se lembrou. Não lembrou de nada. Não visitou. Não telefonou. Talvez ele mereça. Talvez ele mereça.
O chá esfriou...
Adeus...
Adeus.
Ele não pode ficar.

SOBRE OS ALTOS E BAIXOS


A vida é cheia de pregar peças na gente. Nos joga pra cima, nos poe pra baixo, nos sacode de um lado pro outro. Faz o maior embaraço. Às vezes faz a gente mudar de lado. Faz com que tudo fique mal acabado, mal resolvido. Parece que a vida gosta de encher nossas histórias de plot twists que fazem a maior bagunça em nossas cabeças. Na minha pelo menos é assim. Uma hora estou em cima, de bem com a vida, sorrindo e curtindo o momento que é só meu. Em outros momentos estou apenas descendo e descendo e descendo uma descida tortuosa e sem fim. Parece que a vida é ladeira. Aquela coisa íngreme que é difícil pra cacilda de subir. Daí, se você tropeça em alguma coisa, pronto, é só cair.
Eu já estive lá em cima, mas nunca subi tão alto. Acho que sou especialista na arte de cair. E como caio. Caio sozinha, assim, sem ninguém por perto. Eu mesma tropeço nos meus pés e saio rolando ladeira abaixo. Vida abaixo. E a vida põe-se a rir de mim. Eu nunca ouço seu riso - que é abafado - porque a vida me observa lá do alto. Incisiva. Imperativa. A minha vida.
E há quem vá me dizer que a vida é feita de altos e baixos. E eu digo, eu sei, bem sei. Mas quem é que quer viver aqui em baixo? Todo mudo busca o que está no alto, o que é mais caro, o que é inalcançável. A perfeição. A projeção da própria vida lá no alto. A gente quer o que é melhor, o que é mais gostoso, o que dá mais prazer, o que vem mesmo por querer. O que dá vontade, o que tem vontade. E sem essa de bom samaritano querer dizer que é preciso viver na humildade, que menos é mais. Menos não é mais. Menos nunca foi mais. Mais é mais.
Mas como estou aqui em baixo, vou juntando meus caquinhos na humildade. Vou levantando devagarzinho. Sem fazer alarde. Recomeçar a minha viagem. A beleza da vida que me aguarde. Estou subindo, de novo. De novo sim. E mesmo se eu cair - de novo - vou continuar a subir. E subir. E subir. E subir eu ei de subir até onde a vida ria de mim. Vou perguntar pra ela por que que a gente tem que cair tanto assim. Por que que quando a gente cai sempre dá vontade de subir mais? Por que a gente aprende que nunca é suficiente e nem se assusta quando a vida ri da gente? Eu vou perguntar pra ela assim: vida por que você só ri de mim? Por que você não rola ladeira abaixo? Eu tenho um papelão e lhe corto um pedaço. Desceremos juntas, lado a lado. E quando chegar lá em baixo, a gente ri junto. Porque quando a gente ri junto é mais engraçado. E mesmo estando em baixo - de novo - a gente sempre pode subir - de novo. Porque cair faz parte. E persistir é uma arte.